O câncer é uma doença genética? Entenda essa relação

Descobrir exatamente o que causa o câncer é um desafio antigo da medicina. Considerado uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, ele pode se manifestar a partir de diversos fatores de risco, como alimentação, vícios e estilo de vida como um todo. Após os avanços da genética molecular nas últimas duas décadas, consideramos contemporaneamente o fato de que o câncer é uma doença genética.

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que, o fato de ser uma doença genética não significa que o câncer seja uma doença hereditária. Em outras palavras, se um dos progenitores teve algum tipo de câncer ao longo da vida, isso não significa que os filhos necessariamente sofrerão com a doença também.

Todo câncer se desenvolve a partir de alterações genéticas, e apenas parte delas é hereditária. Ele se forma quando há a dano no DNA de uma célula normal, algo que só será passado para gerações futuras se o dano ocorrer em células germinativas, ou seja, óvulos ou espermatozoides. Se a mutação acometer qualquer outro tipo celular (células somáticas), ela ficará restrita àquele indivíduo.

Causas e consequências das mutações genéticas

A sequência dos nucleotídeos existente no DNA é o código para a informação genética de cada pessoa. Alterações nessas sequências são reconhecidas como mutações, podendo afetar ou não a saúde daquela pessoa. As sequências de DNA com informação genética que são transcritas em RNA para a produção de proteínas são chamadas de genes. Essas estruturas e suas eventuais mutações são estudadas na oncologia como marcadores moleculares, diferenciando células normais das cancerígenas.

As causas para tais mutações são diversas, e é aí que entram os fatores de risco associados ao câncer. A mutação pode surgir a partir de algum processo biológico como a replicação do DNA ou outros danos a ele. Os químicos presentes na fumaça do cigarro e a radiação solar ultravioleta são dois exemplos de causas que podem gerar mutações no DNA associadas ao câncer. Mas esses não são os únicos tipos de causadores de alterações na molécula de DNA.

As mutações de ponto são aquelas que modificam apenas um nucleotídeo da sequência de DNA. Mas também há mutações que envolvem pequenas sequências de nucleotídeos que incluem deleções, duplicações ou inserções de novos nucleotídeos. Várias delas são estudadas, por exemplo, no gene EGFR, principalmente nos casos de câncer de pulmão de células não pequenas (CPNPC).

Em alguns casos, as mutações não estão necessariamente na sequência do DNA e têm ligação com a tumorigênese. A epigenética tumoral explica que alterações no DNA como a metilação e a modificação de histonas são mecanismos que geram mudanças na expressão gênica, que podem ser herdadas e que não alteram a sequência do DNA. É o caso da metilação da região promotora do gene MGMT. Essa ligação de radicais do tipo metil faz com que essa região promotora não seja reconhecida por fatores de transcrição, impossibilitando que o gene seja transcrito. Essa modificação Epigenética é utilizada na terapêutica como uma associação a um prognóstico favorável em pacientes adultos com glioblastoma (GBM) que fazem tratamento com Temozolomida. Trata-se de mais um exemplo da medicina personalizada baseada na caracterização genética de um indivíduo com câncer.

A relação entre as mutações e o câncer

O câncer costuma se desenvolver somente quando há mutações, sobretudo em genes que são divididos em duas classes:

Proto-oncogenes: sob circunstâncias normais, são aqueles que dão o comando para as células se multiplicarem e se dividirem. Quando ativos, são responsáveis por acelerar a taxa de crescimento e proliferação de uma célula. Se um proto-oncogene sofre uma mutação, ele se torna um oncogene, acelerando o processo de multiplicação celular de modo permanente. Isso causa a proliferação desordenada das células, contribuindo para a carcinogênese. Exemplo: proto-oncogene EGFR.

Genes supressores de tumor: podem regular negativamente a proliferação celular, ou seja, quando uma mutação é gerada, estes genes param a continuação do ciclo celular para executarem a correção desta mutação. Em outras palavras, um reparo é feito. Mesmo assim, caso não seja possível fazer tal reparo, a célula é induzida a entrar em apoptose ou autodestruição. Quando há falha destes dois mecanismos, as células podem se dividir descontroladamente, dando origem a um câncer. Exemplo: gene TP53.

Quanto mais se avançam nos estudos genômicos e proteômicos do câncer, maior é a compreensão da biologia da doença, considerando todas as suas particularidades. A identificação precoce de uma variante genética relacionada ao câncer, seja ela hereditária ou não, é crucial para reduzir os riscos e nortear tratamentos mais eficazes caso a doença se manifeste.

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