Conheça a relação entre covid-19 e câncer

Desde o início de 2020 a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) tem impactado todo o mundo, afetando normas sociais, relações internacionais e principalmente os serviços de saúde. Porém, os pacientes oncológicos têm sido afeados com maior intensidade, o que levou profissionais a reavaliarem os riscos e benefícios de intervenções nestes pacientes no contexto da pandemia. Para ir a fundo nessa questão é preciso primeiro compreender a relação entre covid-19 e câncer.

Evidências científicas indicam que há interações entre as biologias do SARS-CoV-2 e do câncer. Além de serem mais propensos a uma infecção pelo vírus, os pacientes oncológicos têm maior risco de desenvolver uma infecção grave por covid-19, podendo resultar até mesmo em óbito. Conhecer os fatores de risco nos pacientes mais suscetíveis ajuda na tomada de medidas preventivas e no tratamento de câncer no contexto da pandemia.

Quais pacientes oncológicos estão em maior risco se contraírem a covid-19?

Fatores relacionados ao tumor parecem ter um fator prognóstico significativo em pacientes com câncer. Em particular, alguns tipos de tumor estão associados a resultados particularmente ruins em pacientes com covid-19.

A enzima conversora de angiotensina 2 ou ACE2, expressa no tecido pulmonar, tem papel-chave na infecção por SARS-CoV-2. A enzima parece ter expressão aumentada em idosos, em fumantes ou naqueles que sofrem de doenças pulmonares relacionadas ao tabagismo, como o câncer. Isto tem sido proposto como um dos mecanismos que mediam os resultados clínicos adversos observados em pacientes idosos com câncer de pulmão. A potencial redução da reserva respiratória no câncer de pulmão também está relacionada a resultados piores em pacientes com covid-19.

Os pacientes com cânceres hematológicos têm piores desfechos provavelmente devido à imunossupressão inerente que está associada ao próprio câncer e aos regimes terapêuticos imunossupressores que são frequentemente usados na terapia contra estes cânceres.

Um estudo feito na Itália relatou que, embora os homens geralmente tivessem piores resultados quando desenvolveram covid-19, pacientes com câncer de próstata que foram tratados por terapia de privação androgênica (ADT) eram menos propensos a serem infectados por SARS-CoV-2 quando comparados com pacientes com câncer de próstata que não fazem uso de ADT e com pacientes com outros tipos de tumor. Paralelamente, outro estudo similar nos EUA divulgou que pacientes com câncer de próstata tratados com ADT foram menos propensos a desenvolver resultados clínicos ruins como a hospitalização e suplementação de oxigênio em comparação àqueles não tratados com ADT.

Além do tipo de câncer, o status do tumor (ativo, estável ou em progressão, ou em remissão) também parece influenciar o prognóstico de pacientes com câncer que desenvolvem covid-19. Pacientes com câncer avançado ou aqueles com doença em progressão têm consistentemente encontrado resultados piores em comparação àqueles com doença localizada ou que estão em remissão.

Não está claro se esta associação ocorre devido ao pior estado de saúde dos pacientes com câncer mais avançado, afetando as estratégias de tratamento impulsionadas pelo prognóstico do câncer, por exemplo, o encaminhamento precoce para cuidados baseados em conforto, ou se a progressão do câncer afeta o curso da evolução da covid-19 devido à interseção de mecanismos biológicos com SARS-CoV-2.

Recebimento de terapia sistêmica oncológica direcionada ao câncer

Apesar da necessidade de mais avaliações da relação risco-benefício de terapias sistêmicas em meio à pandemia, alguns princípios gerais norteadores direcionados ao câncer surgiram. Eles orientam que as terapias curativas não devem ser adiadas, enquanto as terapias sistêmicas, particularmente as terapias paliativas oncológicas, podem ser adiadas.

Dados sobre os resultados da relação entre terapias sistêmicas específicas e covid-19 são insuficientes, principalmente por causa dos seguintes fatores:

1. Heterogeneidade dos regimes terapêuticos sistêmicos;

2. O momento do recebimento da terapia sistêmica em relação ao diagnóstico de covid-19;

3. A presença de fatores como o tipo de câncer;

4. O número relativamente pequeno de pacientes em regimes específicos que desenvolvem covid-19.

Comorbidades e fatores gerais que relacionam covid-19 e câncer

Além dos fatores específicos do câncer, outras condições gerais do indivíduo parecem ser importantes correspondentes do prognóstico para pacientes oncológicos que desenvolvem covid-19. Semelhante à população geral infectada, alguns fatores correlacionam-se com mau prognóstico em pacientes com câncer: sexo masculino, idade avançada, comorbidades cardiovasculares e respiratórias e mau desempenho geral baseados na performance. Muitos desses fatores estão associados ao próprio câncer e isso pode explicar o prognóstico geralmente pior de pacientes com câncer que desenvolvem covid-19.

A relação entre covid-19, câncer e trombose

Descobriu-se que a covid-19 está associada a eventos venosos, com a relação à coagulopatia associada à covif-19. Essa propensão a desenvolver eventos trombóticos, incluindo tromboses venosas ou, raramente, arteriais, parece estar relacionada à inflamação e à ativação do sistema imunológico inato, que pode ativar as vias de coagulação sistêmicas.

Assim como o epitélio do sistema respiratório, as células endoteliais também expressam a enzima conversora de angiotensina I-2 (ACE2), envolvida na entrada do SARS-CoV-2 nas células-alvo do hospedeiro. As inclusões virais têm sido demonstradas em células endoteliais de pacientes com covid-19, sugerindo que a endoteliopatia viral e a disfunção microcirculatória podem contribuir ainda mais para as complicações trombóticas observadas em pacientes com covid-19.

Pacientes com câncer estão particularmente em risco de eventos tromboembolíticos em comparação à população geral. Este risco parece variar de acordo com o tipo de câncer ou estágio, com o recebimento de terapia local ou sistêmica e com a presença de comorbidades.

O inerente estado pró-coagulante associado ao câncer é atribuído à expressão pelas células cancerígenas de fatores de coagulação na via extrínseca da coagulação e dos fatores pró-inflamatórios como TNF-a e IL-1b.

Em estudos clínicos que avaliam tromboembolismo venoso em pessoas com câncer que desenvolveram covid-19, os pacientes com eventos tromboembolíticos venosos (TEV) foram internados na unidade de terapia intensiva. A maioria dos pacientes com TEV sintomático desenvolveu esses eventos no início do curso da doença, sugerindo que a permanência na UTI não foi um fator causador desses eventos, mas sim um fator indicador de doença grave de covid-19.

Existem evidências de que o câncer aumenta o risco de eventos tromboembólicos. A ocorrência de trombose oculta em pacientes com câncer não pode ser descartada como sendo um dos fatores potenciais no aumento da taxa de mortalidade por covid-19, especialmente considerando a forte evidência prévia de um estado pró-coagulável em pacientes com câncer.

Para compreender como esses achados sobre a relação entre covid-19 e câncer afeta a orientação de pacientes oncológicos, recomendamos a leitura do artigo: Orientações de tratamentos para câncer durante a pandemia.

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