Câncer de ovário e genética: A importância do diagnóstico precoce

A reação entre câncer de ovário e genética deve ser observada com atenção por médicos e pacientes, principalmente quando houver histórico familiar da doença. Tal cuidado é importante porque o câncer de ovário é a segunda neoplasia ginecológica mais comum, atrás apenas do câncer do colo do útero.

Cerca de 95% das neoplasias ovarianas são derivadas de células epiteliais revestidoras do ovário. O restante provém de células germinativas, que formam óvulos e células estromais, aquelas que produzem a maioria dos hormônios femininos. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que, para cada ano do triênio 2020/2022, sejam diagnosticados no Brasil 6.650 novos casos de câncer de ovário, com um risco estimado de 6,18 casos a cada 100 mil mulheres.

Apesar de representar apenas 3% de todos os tumores femininos no Brasil, é a principal causa de morte por tumores ginecológicos e a quinta causa de morte por câncer entre as mulheres. Essa alta mortalidade se deve ao diagnóstico tardio da doença, que ocorre em 70-80% dos pacientes. Este atraso diagnóstico é explicado pela ausência de sintomas específicos no início da doença e pela falta de métodos eficazes de detecção precoce. A sobrevida em cinco anos a partir do diagnóstico é de 40,9% nos pacientes. No entanto, aumenta para 94% quando o diagnóstico é feito cedo, o que destaca a importância de estabelecer um diagnóstico genético baseado na história familiar.

Já o diagnóstico antes de qualquer sintoma é possível em apenas parte dos casos, pois a maioria só apresenta sinais e sintomas em fases mais avançadas da doença. Os mais comuns e que devem ser investigados são: inchaço abdominal, dor abdominal, perda de apetite e de peso, fadiga e mudanças no hábito intestinal e/ou urinário. Na maior parte das vezes esses sintomas não são causados por câncer, mas se não melhorarem em poucos dias, deve-se considerar uma investigação.

A detecção prévia pode ser feita através de exames clínicos, laboratoriais ou radiológicos, de pessoas com sinais e sintomas sugestivos da doença, ou com o uso de exames periódicos em pessoas sem sinais ou sintomas (rastreamento), mas pertencentes a grupos com maior chance de ter a doença. Não há evidência científica de que o rastreamento do câncer de ovário traga mais benefícios do que riscos e, portanto, até o momento, ele não é recomendado.

O diagnóstico clínico do câncer de ovário é feito por meio de uma avaliação que inclui histórico médico, exame ginecológico, exames de sangue e exames de imagem, como ultrassonografia ginecológica ou tomografia computadorizada de abdome e pelve. O diagnóstico definitivo é estabelecido após o estudo anatomopatológico do tumor através de uma biópsia.

Os motivos que levam ao aparecimento do câncer de ovário continuam desconhecidos, embora, como ocorre em outros tipos de tumores, o acúmulo de mutações no DNA é o que dá origem a carcinogênese. Cerca de 77% dos cânceres ovarianos são esporádicos, ou seja, as mutações são adquiridas ao longo da vida, não são herdadas e estão presentes apenas em determinadas células do ovário. Nesses casos, as mutações aparecem com frequência no gene supressor de tumor TP53, que aparece mutado em mais de 50% de todos os tipos de câncer humanos e que codifica uma proteína cuja deficiência contribui para o acúmulo de mutações e a aceleração do desenvolvimento tumoral. Por sua vez, cerca de 23% dos cânceres de ovário são hereditários, o que significa serem causados ​​por mutações transmitidas através dos gametas dentro de uma família e identificável através do aconselhamento genético.

Câncer de ovário hereditário

Alguns genes associados aos casos de câncer de ovário hereditário foram descobertos como resultado do trabalho feito com sequenciamento de próxima geração. A condição hereditária mais comum é representada por mutações germinativas nos genes BRCAs, responsáveis ​​por 20-25% dos casos de câncer de ovário seroso de alto grau e aproximadamente 10-15% de todos os tumores ovarianos epiteliais.

Outros cânceres de ovário hereditários estão associados a diferentes genes, com um papel crucial na via de resposta ao dano do DNA, como os genes TP53 na Síndrome de Li-Fraumeni, ou STK11 na síndrome de Peutz-Jeghers. A síndrome de Lynch também eleva o risco para câncer de ovário. Essa síndrome é mais frequentemente associada a mutações nos genes de reparo por incompatibilidade (mismatch) MLH1 ou MSH2 e são responsáveis por aumentar o risco nos cânceres ovarianos hereditários.

Quando esses genes estão com sua função comprometida, eles não podem desempenhar sua função de reparo do DNA corretamente, logo, as mutações se acumulam e dão origem ao desenvolvimento tumoral. É preciso lembrar que nem todas as mulheres com mutações em BRCA1 ou BRCA2 desenvolverão câncer de ovário, mas possuem risco aumentado para a doença.

Os genes relacionados a reparo de quebra de dupla fita de DNA que aumentam o risco para câncer de ovário, em outras palavras, aqueles que têm como mecanismo de reparo a recombinação homóloga e reparo por ligação por extremidades não homólogas, merecem atenção ao serem identificados com variantes patogênicas, pois têm relação com a acionabilidade e individualização terapêutica. Alguns destes genes são conhecidos por aumentar a sensibilidade a platina através da via de reparo mediado pela recombinação homóloga. A alteração desses genes pode prever respostas a novas drogas emergentes que têm como alvo as vias de reparo do DNA que não sejam inibidores da polimerase poli (ADP-ribose) ou inibidores de PARP. 

Em relação ainda à personalização terapêutica, especificamente no sentido de estimar a magnitude da terapia com inibidores de PARP, a avaliação do genoma tumoral do paciente com câncer de ovário pode determinar o status da recombinação homóloga/reparo por ligação por extremidades não homólogas. Este tipo de reparo pode estar comprometido por outras mutações genômicas além das variantes patogênicas e rearranjos envolvendo os genes BRCA, por exemplo, a perda de heterozigosidade e desequilíbrio alélico telomérico. Logo, a avaliação do status tumoral deste tipo de reparo pode apresentar diferentes perfis em diferentes pacientes.

Como identificar o câncer de ovário hereditário

Diante da suspeita de câncer de ovário hereditário, como uma história familiar de casos de câncer de mama, ou ovário, ou cólon, por exemplo, deve ser realizado o Aconselhamento Genético oferecido pela View Genetics. Nele, é indicado à paciente o apropriado estudo genético. Esta primeira sessão avalia a história familiar, além do risco e implicações de ser portador de uma variante patogênica nos genes associados a uma síndrome hereditária de câncer. Além disso, todas as mulheres com câncer de ovário devem fazer painel gênico germinativo independentemente da sua história familiar.

Na segunda sessão de Aconselhamento Genético, os geneticistas e/ou oncologistas explicam ao paciente os resultados obtidos e as recomendações ou condutas personalizadas a serem seguidas.

A realização da avaliação genética permite conhecer a presença de mutações associadas ao desenvolvimento do câncer e leva a um acompanhamento clínico personalizado das pacientes, com a realização de exames ginecológicos com maior periodicidade. Também permite a adoção de ações preventivas, como a quimioterapia preventiva ou cirurgia de redução de risco, e considerar a possibilidade de identificar outros familiares em risco para contribuir com a diminuição do risco nestes indivíduos.

Leia também: A importância dos testes genéticos no câncer de mama hereditário

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